Ulysses Guimarães

A história do Dr. Ulysses é ampla e rica, e sua figura tornou-se exemplar para as gerações seguintes.

“Política não se faz com ódio, pois não é função hepática. É filha da consciência, irmã do caráter, hóspede do coração. Eventualmente, pode até ser açoitada pela mesma cólera com que Jesus Cristo, o político da Paz e da Justiça, expulsou os vendilhões do Templo.

Nunca com a raiva dos invejosos, maledicentes, frustrados ou ressentidos. Sejamos fiéis ao evangelho de Santo Agostinho: ódio ao pecado, amor ao pecador. Quem não se interessa pela política, não se interessa pela vida.”

Ulysses Guimarães
4 de março de 1985

Nascido em 16 de outubro de 1916, Ulysses foi advogado, professor universitário, escritor e dirigente de clube de futebol. Na juventude, sonhou com o mundo das artes, que acabou abandonando por outro sonho: a carreira política, galgada degrau a degrau, até chegar à cadeira de Presidente da Câmara dos Deputados. Foi o parlamentar que mais tempo ficou à frente do Legislativo federal.
A história do Dr. Ulysses é ampla e rica, e sua figura tornou-se exemplar para as gerações seguintes. Poucas vezes o rumo da sociedade brasileira foi conduzido por uma figura tão atuante e ética que conseguiu ser respeitada por todos, inclusive por outras lideranças que tiveram a oportunidade de com ele dividir algum momento importante para o país.

Dados pessoais

Nome: Ulysses Silveira Guimarães
Filiação: Ataliba Silveira Guimarães e Amélia Correa Fontes
Nascimento: 6 de outubro de 1916. Rio Claro, São Paulo
Falecimento: 12 de outubro de 1992
Cônjuge: Ida de Almeida Guimarães
Filho: Tito Henrique e Celina Ida

O que eles têm pra contar

Alberto Goldman

“O Dr. Ulysses era um político diferente, não fazia campanha eleitoral. A D. Rute suava frio nessas ocasiões, porque ele tinha tanta política no sangue que ficava em Brasília, participando de eventos maiores, e nunca vinha cuidar de suas bases eleitorais, como todo político faz aos sábados e domingos, ao visitar os eleitores, fazer reunião com o Clube de Mães, ouvir vereadores etc. e tal. O Dr. Ulysses não fazia essas coisas, pegava o seu mandato de deputado e ia para Brasília, se afundava nos grandes temas do país. Por isto era um político nacional e não um deputado regional – ele defendia as grandes causas da democracia. Quando vinha concorrer de novo a deputado federal, frequentemente deixava a gente em aperto, porque não tinha material, não tinha cultivado as bases, não tinha dinheiro para fazer a campanha – e também, não tinha prática de fazer o tipo mais habitual de campanha para deputado.”

Alda Marco Antonio

Vários aspectos devem ser ressaltados com relação à Constituinte de 1988. Inegavelmente o Dr. Ulysses teve uma atuação notável, de firmeza na condução dos trabalhos, na fixação de prazos. E inegavelmente o processo trouxe avanços, pelo simples fato de que, mesmo que esteja longe de ser uma Constituição perfeita, foi um passo que marcou a institucionalização do país.

André Franco Montoro

O Ulysses foi um excelente orador desde o primeiro momento de nossas anticandidaturas e fez a campanha política pelos estados com sua tradicional eloquência, capacidade e senso político. Promovíamos realmente uma contestação constante ao regime militar e ao Colégio Eleitoral, promovendo uma campanha livre junto ao povo, era uma enorme conquista e uma grande realização do elemento popular.

Barbosa Lima Sobrinho

“O Dr. Ulysses construiu o que poderia ter sido o maior partido da América Latina, o MDB. O MDB foi em grande parte sua construção. A preservação da unidade do MDB durante todo aquele longo período de luta pela redemocratização com aquela acirrada luta por espaços entre dois grupos, então conhecidos como “autênticos” e “fisiológicos” – a unidade teria sido impensável, não fosse o papel de ponte que o Dr. Ulysses desempenhava entre aqueles grupos.

O MDB, na verdade, girava em torno da figura de Ulysses Guimarães, assim como de Tancredo Neves. Foi ele que conduziu o partido em suas diferentes fases, desde a fundação, depois num período de oposição frontal ao regime militar e, no final, com uma bancada parlamentar importante em Brasília e já assumindo responsabilidades de governo nas esferas municipal e estadual.”

Bolivar Lamounier

“Creio que o Dr. Ylysses deve ao PSD seu aprendizado sobre as artes da política, e que isto foi fundamental para a sua carreira de homem público, assim como a experiência dele na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, durante o período do Estado Novo, quando ele se deu conta da importância do inconformismo para a vida política, posição que ele levou consigo para o PSD, daí a sua adesão à ‘ala moça’.

Acho que uma das características do dr. Ulysses, a combinação de inconformismo com pessedismo, independe de idade, foi uma coisa de personalidade, um atributo dele que evidentemente exigia coragem, e que ele mesmo considerava como algo fundamental para a vida política e para um político.”

Celso Lafer

“Creio que [Ulysses] representava a classe média: professores, médicos, advogados, profissionais liberais, a sociedade civil, e os trabalhadores também. Se bem que, como não existe um movimento sindical muito organizado e sério no Brasil, ele também não dava importância demais para o que as lideranças sindicais lhe diziam; às vezes nem são lideranças, mas um bando de pessoas que assim se intitulam e não passam de pelegos patronais. […] Mas o Ulysses também não se envolvia com eles, pois ouvia todo mundo e procurava representar o que considerava ser a vontade popular, pela qual tinha muito respeito.

Tinha muita preocupação com a distribuição de renda, tema ao qual era muito sensível. Promovia reuniões com economistas, na casa dele aos domingos, e com o seu filho adotivo, o Tito Henrique, que trabalhava no Banespa e conhecia o dia a dia dos negócios. Ao contrário dos empresários, que dão palpite em reunião, são arrogantes, o Ulysses não ficava palpitando, estava mais preocupado em ouvir gente como o economista Luiz Gonzaga Belluzo, o Paulo Cunha, que comparecia mais como político, o Miguel Reale Jr., políticos empresários, estudiosos que tinham alguma militância na sociedade e não apenas gozavam de sua intimidade.”

Fernando Gasparian

“Antes da posse do Sarney, O Ulysses foi muito influente na formação do que seria o Governo Tancredo Neves, junto a quem tinha uma força enorme – e talvez o Tancredo tivesse tido condições mais propícias do que o Sarney para definir um rumo próprio. O Tancredo ouvia muito o Ulysses, e o ministério que pensou foi em grande parte influenciado pelo Ulysses. Quando o Sarney assumiu, encontrou um ministério pronto […], a presença de Ulysses era muito forte. ”

Fernando Henrique Cardoso

“Outra coisa importante foi a tranformação pessoal dele, a partir da sua anticandidatura presidencial em 1973. Ninguém comenta como ele foi mudando a partir dela. E foi um processo decisivo. O Dr. Ulysses era liberal mas já tinha passado pelo desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek, da Ala Moça do velho PSD. Quer dizer, desde a década de 1950 vinha refletindo sobre questões econômicas e sociais da democracia. Mas a partir da anticandidatura, acentua-se a preocupação social do Dr. Ulysses. Na minha opinião, foi consequência do contato dele com o povo, ao percorrer o país e verificar a situação real. […] Ele foi retomando contato com o Brasil real, com os dramas do povo, seus problemas.”

João Manuel Cardoso de Mello

“[…] na época do empeachment do Collor, qunado lhe [a Ulysses] foi apresentado o “cofre da CPI”, quando se revelou o tamanho do rumor, ele [Ulysses] que até então resistia ao processo – olhou aquilo e decretou: ‘É agora’. E declarou que estava perplexo, muito triste e angustiado. Imediatamente organizou-se uma reunião, porque não havia relatório de CPI pronto, nem nada acertado, e ele indagou: ‘Vocês já falaram com o Itamar Franco?’ […] O Dr. Ulysses tinha uma noção muito exata de qual era o lance seguinte em qualquer questão de poder, bem como o tamanho do lance. Era uma pessoa extemamente racional para tratar de política e, em outros momentos, extremamente humana para enfrentar outras questões, sem misturar os canais. Um exemplo concreto disto vimos no empeachment .”

José Genoíno

“Ninguém teve a coragem de pedir a renúncia do Dr. Ulysses. Eles falaram que era difícil, que o PMDB estava realmente encontrando dificuldades. Mas o Dr. Ulysses se antecipou e cobrou do partido uma atitude; disse que não se sentia responsável pelo quadro frio da campanha [à presidência da República em 1989], isso era um problema do partido. E desde que este cumprisse a sua missão, ele não tinha dúvida de que mudaria o quadro. […] Aí se destaca que o grande político tem de ter a qualidade da obstinação cega, da mesma maneira que a obstinação cega do Dr. Ulysses serviu para sempre mostrar que a democracia era recuperável no Brasil. […] Essa obstinação cega fez com que o Dr. Ulysses achasse que iria cumprir o seu papel de ser candidato até o fim. E não houve nenhum tipo de meia-verdade porque a campanha praticamente começou na casa dele com uma demonstração, durante umas três horas, de pesquisa do Gallup mostrando que ele não tinha condição nenhuma de se eleger. Ele reagia dizendo que o partido era muito forte.”

José Gregori

“Era chamado de tripresidente, de tetrapresidente, como se tivesse tentado amealhar estas posições, quando, na verdade, a presidência do partido foi uma consequência natural, a da Constituinte foi uma obrigação e a Vice-Presidência da República decorrência de uma circunstância histórica. Mas o Ulysses ficou desgastado, as charges da imprensa trabalhavam muito isso. Tenho a impressão de que, quando foi despojado, ele deve ter se sentido – como ele mesmo dizia – ‘um deputado raso, liberto para escolher os seus temas’. E foi um dos maiores momentos da vida política do Ulysses quando ficou sem cargo, com seu gabinete no anexo 4 da Câmara, caminhando pelos corredores da casa, escolhendo seus assuntos e, depois, percorrendo o Brasil como mascate do parlamentarismo. Então eu tenho a convicção de que foi bom para o Ulysses e a impressão de que ele percebeu que era um bom momento para ficar sem cargo. Como deputado raso apareceu como de fato era: o primeiro cidadão da República.”

Ibsen Pinheiro

“Posso dizer uma coisa, se fosse um outro presidente da Constituinte, ela não teria sido concluída em um ano e dez meses, não há hipótese… O Ulysses costumava promover reuniões com os relatores – eu era um deles, nos capítulos de tributação, orçamento e finanças – para avaliar os problemas, e era gostoso tê-lo coordenando, porque sempre dava muito espaço. Promovia estas reuniões, discussões e encaminhamentos, e procurava resolver os problemas.”

José Serra

“Quando da remontagem nacional da Fundação Pedroso Horta, do PMDB, antes de 1982, houve uma reunião preparatória na fazenda do Severo. Tinha muita gente e durou o dia inteiro […], e o objetivo era montar as bases para a campanha de 1982 e deslanchar o processo de preparação de um documento que orientasse todo o partido. Dois anos antes o Dr. Ulysses já alertava: ‘Olha, não podemos ter um discurso velho, temos que preparar um documento’. […] Toda vez que se mencionavam projetos que comprometessem muitos recursos ele ficava preocupado, mas ele sempre apoiou a ideia de ter um documento-guia e uma revista da Fundação.”

Luciano Coutinho

“No primeiro contato que tive com ele [Ulysses] depois de empossado [Bresser Pereira foi Ministro da Fazenda], o Dr. Ulysses estava extremamente preocupado com a situação dos governadores: havia 21 governadores do PMDB eleitos e seus estados estavam falidos, eles precisavam urgentemente de apoio do governo federal para poderem governar minimamente. Então tivemos algumas reuniões difíceis e duras, nas quais o Dr. Ulysses defendia seus governadores. Depois que este assunto foi resolvido com razoável equilíbrio, mantive com o Dr. Ulysses uma relação extremamente próxima durante a minha permanência no ministério, com ele me dando total apoio […].”

Bresser Pereira

“[…] tivemos contato com o Dr. Ulysses Guimarães por ocasião da greve de 1980. Ele foi muito solidário com o movimento, esteve várias vezes em São Bernardo do Campo, eu diria até que puxado pelo Teotônio Vilela, que era a figura principal na solidariedade ao movimento. Mas o Dr. Ulysses Guimarães nunca se recusou a ser solidário com a gente, a ir a São Bernardo, mesmo quando fui preso. Voltei a ter contato com o Dr. Ulysses em 1984, por ocasião da Campanha das Diretas. Aí nossas relações se estreitaram, porque viajamos várias vezes juntos, algumas vezes ele me deu carona.”

Luiz Inácio Lula da Silva

“Hoje temos democracia e vivemos o pluripartidarismo no país […], estamos vivendo um momento diferente. Se o Dr. Ulysses estivesse vivo, continuaria expressando o pensamento dele. Mas não deixa herdeiros porque não é fácil encontrar outro Dr. Ulysses, alguém que tenha o desprendimento, a garra, a coragem e as qualidades que ele tinha… Mas por outro lado, mesmo que tivesse um herdeiro, o momento não é para isso, não vivemos mais uma resistência que demande um forte comando, pois temos liberdade de imprensa, de televisão, de rádio; assiste-se a uma heterogeneidade na discussão de ideias. Então o momento histórico não propicia a aparição de um outro líder político com as características do Dr. Ulysses.”

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